Crítica - À Bout Portant (2010)

Realizado por Fred Cavayé
Com Gilles Lellouche,Roschdy Zem, Gérard Lanvin, Elena Anaya

Comprovando que as boas fitas de ação não vêm só de Hollywood, Fred Cavayé traz-nos uma película onde a adrenalina e o ritmo acelerado das sequências mais vistosas são reis e senhores. “À Bout Portant” é o exemplo perfeito de uma fita de ação que consegue chegar bem longe sem orçamentos milionários e superestrelas de ego inchado, sendo mesmo capaz de envergonhar muitas das produções milionárias que nascem por geração espontânea em Hollywood e que, na grande maioria dos casos, pouca ou nenhuma qualidade (artística e cinematográfica) possuem. Com uma narrativa sólida, consistente e cheia de reviravoltas credíveis, “À Bout Portant” afirma-se facilmente como um dos melhores thrillers dos últimos tempos, levando o espectador numa viagem alucinante que só o deixa respirar quando os créditos finais começam a rolar no ecrã. Só pelo facto de demonstrar que é possível fazer bom cinema comercial fora de Hollywood, “À Bout Portant” já se estabelece como uma obra à qual vale a pena prestar alguma atenção. Mas esta obra adquire suprema importância também pelo facto de provar com sucesso que o cinema europeu não tem de ser exclusivamente artístico e experimental. O povo europeu, como qualquer outro, também gosta de passar bons momentos de puro entretenimento numa sala de cinema, desde que esse entretenimento tenha pés e cabeça. “À Bout Portant” está longe de ser artístico ou experimental, e não é por isso que deixa de ser competente e inspirador. Para bom entendedor meia palavra basta, pelo que fica aqui a nota de ressalva para aqueles que só pensam na nouvelle vague e depois se queixam dos grilos que se fazem escutar nas salas de cinema europeias.

 

Samuel Pierret (Gilles Lellouche) é um estudante de enfermagem que exerce funções de ajudante no hospital local como forma de se ir acomodando à profissão futura. A sua esposa Nadia (Elena Anaya) está grávida de uma menina. E pelo facto desta se encontrar os últimos meses da gravidez, os instintos protetores de Samuel estão mais apurados do que nunca, não permitindo que a esposa faça o mais ínfimo esforço escusado. A vida (íntima e não só) do casal corre às mil maravilhas e o futuro de ambos parece promissor. Até ao dia em que Samuel impede que Hugo Sartet (Roschdy Zem) – um paciente misterioso envolvido num atropelamento – seja assassinado por um indivíduo disfarçado de médico, que acaba por escapar incólume do hospital. A partir desse dia, tudo se altera. Como pagamento pelo seu ato de heroísmo, Samuel vê a sua casa ser arrombada e a sua esposa raptada por um indivíduo encapuzado. Com Nadia em seu poder para usar como moeda de troca, o raptor ordena então a Samuel que retire Sartet do hospital sem despertar a atenção das autoridades e que o traga até ele sem grandes demoras. E sem escolha ou via de saída, Samuel obedece às instruções do raptor, tornando-se um fugitivo das autoridades e embrenhando-se numa teia de corrupção que porá em causa a integridade moral da polícia francesa.

Como já foi referido, “À Bout Portant” possui um argumento sólido, humano e perfeitamente credível, que muito contribui para uma experiência cinematográfica mais entusiasmante e gratificante. Porém, o grande trunfo desta obra encontra-se na forma visceral como Cavayé filma as sequências de ação. O ritmo da narrativa é tão acelerado e imprevisível que o espectador mal tem tempo de respirar fundo, mantendo-se de olhos bem abertos do início até ao fim. Um pouco à imagem de “Taken”, o aclamado filme de Pierre Morel (curiosamente também um cineasta francês) em que Liam Neeson desancava em meia europa para recuperar a sua filha de uma elaborada rede de tráfico humano, “À Bout Portant” conserva-nos na ponta da cadeira ao longo de toda a película, com os nervos em franja enquanto torcemos pelo sucesso da personagem principal. Personagem que, à semelhança do que acontece com todas as outras, é genuína e carismática quanto baste para nos convencer de que o que estamos a ver poderia mesmo acontecer. Felizmente, “À Bout Portant” está muito longe de ser um CSI francês. Aqui não há gajas boas a fazerem de agentes sabichonas, nem gajos sexy a fazerem de detetives supersónicos. Tudo (desde os cenários às personagens que neles se movem) tem um aspeto sujo, degradado e (portanto) extremamente realista, fazendo desta aventura uma viagem bem mais arrepiante e excitante do que se poderia imaginar no início. No entanto, que não se pense que “À Bout Portant” é uma obra-prima. Apesar de tudo o que foi dito, não deixa de ser uma obra ligeira e de puro entretenimento, que possui umas gaffes aqui e acolá. Mas a única coisa realmente triste e negativa que salta à vista é o tempo que tivemos de esperar para a ver numa sala de cinema: dois anos inteirinhos. Pelo que vale a pena conceder-lhe uma oportunidade na sala de cinema mais próxima de sua casa, até porque mais vale tarde do que nunca. 

 Classificação – 4 Estrelas em 5

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